UMA DATA, DOIS GRITOS, UM PAÍS
Escrevo este texto às nove horas da manhã de uma segunda-feira, 5 de setembro de 2022.
Em 48 horas, haverá bandeiras pelas ruas, camisas da seleção, gente vestida ou com o rosto pintado de verde e amarelo, além de militares desfilando os seus maus-agouros.
Será a celebração ufanista do país que somos. Ou, que pensamos ser.
Daqui, da antevéspera do 7 de setembro, fico pensando que, ao invés da repetição ritualística de nosso mito nacional, é o Grito dos Excluídos e das Excluídas que nos revela como nação.
Despida de toda mitificação, a Independência, que tem na fantasia em torno ao Grito do Ipiranga o seu marco simbólico, precisa ser pensada em relação ao projeto de país a que deu vazão. Isto é, na dimensão concreta da política que pôs em cena.
No entanto, muitas escolas dedicadas às séries iniciais, quando da proximidade do sete de setembro, ainda procuram inocular, nos corpos das crianças, um certo sentido festivo, uma certa dimensão de alegria vinculada à data. Digo isto e me recordo das fotos que guardo, menino cooptado pelo nacionalismo acrítico que se exerce desde a instituição escolar.
Anos depois, já no Ensino Médio, recordo-me de haver um certo esforço em desconstruir a dimensão mítica do sete de setembro. Não me lembro, porém, de darmos ênfase a uma discussão mais sistemática daquilo o que se moldou como nação. De fato, os projetos de país configurados pelo Império e, posteriormente, pela República não nos eram lidos naquilo o que eram: a cuidadosa e detalhada estruturação de um país deliberadamente pensado para violar, excluir, matar (ou deixar morrer).
Há uma frase que invariavelmente repito toda vez que estou em sala de aula discutindo a literatura brasileira do século XIX, justamente aquela comprometida com a construção nacional. Dizer que o Brasil não deu certo é permanecer acreditando ingenuamente que alguma vez este país foi moldado para ser democrático. Não o foi. Se pensado naquilo o que é, deve-se reconhecer que o projeto de nação que faz este território ser o Brasil foi perfeitamente executado. Ou seja: uma sociedade cindida em hierarquias que operam pela subalternização e morte dos corpos não aderentes à doxa patriarcal brancocêntricaheteronormativa cristã.
É este o Brasil que precisa ser descortinado no 7 de setembro. E nos demais dias e meses do ano.
Fica o convite para que, neste feriado, nossas atenções estejam voltadas para o Grito dos Excluídos e das Excluídas, ao invés de cooptadas pelas espetaculares artimanhas do poder.
A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!
Imagem: reprodução da internet