LAROYE, EXU! - Meu nome é Johni

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LAROYE, EXU!

LAROYE, EXU!

Em meio a um cenário urbano, representativo de alguma grande capital brasileira, talvez São Paulo talvez Salvador, as primeiras tomadas do documentário Dança das cabaças­ – Exu no Brasil, dirigido por Kiko Dinucci, indagam: Quem é Exu?

            Apesar de inofensiva, esta simples pergunta ocasiona reações estimuladas pelo medo, pelo desconhecimento e pela intolerância nas pessoas entrevistadas. Seguem alguns poucos exemplos:

            Uma senhora disse apenas conhecer Jesus; Ele, sim, “maravilhoso”.

            Outra, tão logo feita a pergunta, afastou-se, fingindo pressa.

            Uma terceira, dizendo-se evangélica, afirmou que não poderia se tratar de “coisa boa”.

            Alguns rapazes, por fim, foram mais diretos: “é o mal”, “é o Coisa Ruim”, “é o Demônio”.

            O documentário é de 2006, mas os depoimentos obtidos permanecem sendo reproduzidos ainda hoje, 16 anos depois. A intolerância religiosa, ou melhor, o racismo religioso representa uma problemática bastante atual, com um acentuado aumento na violação do direito do povo-de-Axé de viver e se expressar de acordo com a sua fé.

            A história de tais falas, embora correntes em pelo século XXI, é longa e remonta aos primeiros missionários cristãos aportados no continente africano. A estrutura de mundo do Ocidente, fundada na filosofia platônica e nas reelaborações cristãs, se apoia em uma diretriz dicotômica subordinada às conjunções alternativas. Isto é, organiza-se a partir de realidades estanques e incomunicáveis, uma vez que opostas e repelentes entre si: ou se é um ou se é outro, nunca um e outro. Uma filosofia do isto ou aquilo, conforme observa Octávio Paz.

            Inserido no mundo dos sentidos ocidentais via processos de escravização dos povos africanos, Exu estabelece uma rasura na lógica de pensar platônica e cristã: Ele é isto e aquilo por excelência. Exu é, em Si, a potência que subverte a lógica da mesmidade, sendo em Si mesmo o Outro que também é.

            O forte e violento repúdio ao nome de Exu denota, por metonímia, uma aversão generalizada às expressões religiosas afro-brasileiras, que vêm a ser índices de um continuum civilizacional África-Brasil – portadoras, portanto, de um determinado ethosnegro-africano refundado e revitalizado à margem oeste do Atlântico Sul.

            Aqui cristalizadas, aquelas falas revelam a sanha xenofóbica de determinados segmentos evangélicos neopentecostais, pouco afeitos à presença inquietante do que não é o mesmo.

            Os enunciados registrados por Dinucci colocam em relevo a feição colonialista e o propósito epistemicida que intimamente motivam os agressores. Afinal, os imperativos que orientam uma pressão social no intuito da conversão constituem práticas símiles ao extermínio do outro, ao expurgo de toda diferença.

            Exu é princípio dinâmico de todo o sistema mitológico e ritualístico nagô: sem Ele, nada é possível, nada se faz, nada existe. Por consequência, detratá-Lo e silenciá-Lo, afastando-O de um campo possível de identificação positiva, é, por via indireta, operar contrariamente à existência daquele ethos africano-brasileiro. Não é à toa que o grupo baiano Opanijé canta, em um verso de “Encruzilhada”, que “feriram nossa identidade falando que a gente cultua o diabo”.

            Desta forma, as respostas registradas nos momentos iniciais daquele documentário apontam para estratagemas – naqueles entrevistados, talvez, inconscientes – de um gradual apagamento das tradições religiosas afro-brasileiras.

            Exu não é o diabo, nem tem parte com ele – carece ainda ensinar. Aliás, nesse ofício de ensinar sobre a natureza de Exu, a fim de desmontar arraigados preconceitos, gosto de recorrer a certos fragmentos do poema “Outro para Exu”, do poeta José Carlos Limeira. Neste texto, o Orixá se dirige ao poeta para incumbi-lo de uma certa obrigação. Fiquemos com as palavras certeiras do poema:

para esclarecer certos fatos, desfazer confusão

pra início de conversa

gosto de dendê, farofa e quiabo

mas, apesar de usar branco,

vermelho e preto,

sou outro verbo

predicado e sujeito

e nada tenho de diabo.

sendo mais franco:

eu sou preto e diabo

é coisa de branco

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A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Foto: Almanaque Lusofonista

06/06/2022 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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