É MESMO ESTA A VIDA QUE QUEREMOS? - Meu nome é Johni

Meu nome é Johni
MENU
É MESMO ESTA A VIDA QUE QUEREMOS?

É MESMO ESTA A VIDA QUE QUEREMOS?

Roger Waters, ex-baixista e principal compositor da banda inglesa Pink Floyd, está em nova turnê, Thisisnot a drill. Inicialmente agendados para 2020, os shows foram adiados devido à covid-19 e apenas retomados em 2022. Entre julho e outubro do ano passado, Roger Waters e sua banda passaram por Estados Unidos, Canadá e México. Desde o dia 17 deste mês a turnê europeia está em curso, estendendo-se até junho, mais precisamente no dia 10, em Manchester, na Inglaterra. Não há, até o momento, anúncio oficial de shows pela América do Sul, embora alguns sites indiquem previsão de passagem pelo Brasil entre novembro e dezembro.

            Enquanto aguardo a confirmação de um show em minha cidade – ou em cidade relativamente próxima –, retomo a minha lembrança da turnê Us+Them, que aportou na Arena Fonte Nova, em Salvador, no dia 17 de outubro de 2018. E, em paralelo, assisto a fragmentos dos recentes espetáculos em Lisboa, Barcelona e Madrid pelo YouTube – o que consome a minha cota diária de hipocrisia, uma vez que, sendo crítico daqueles que vão a um show, não para serem afetados por ele, mas para registrá-lo em gravações que não duram o tempo de uma memória, eu agora os agradeço.

            Canções à parte, a passagem de Roger Waters pelo Brasil em 2018 ficou muito marcada pela tensão entre o artista e o público. Se, por um lado, não houve, entre as cerca de 335.872 pessoas que assistiram aos 8 shows em território brasileiro, uma insatisfação no tocante ao setlistou à qualidade artística apresentada; por outro, quando a pauta passa a ser o posicionamento ético veiculado no palco, crítico ao avanço geopolítico da extrema direita, a coisa muda de figura. Em algumas cidades – notadamente aquelas que mais deram votos ao então candidato Jair Messias Bolsonaro –, parte significativa da plateia, talvez desconhecendo os sentidos políticos da própria obra do Pink Floyd e, tanto mais, da carreira solo de Waters, entoou vaias e cala-bocas.

            Há muito tempo não penso nestas cenas, mas o fato de Thisisnot a drill ser uma turnê ainda mais explicitamente política que Us+Them me fez recuperar não só tais memórias, mas também algumas reflexões em torno da relação que o público tem constituído com os artistas.

            Há quase um ano, em texto intitulado “A voz dos palcos”, tangenciei este tema. Quero retomá-lo agora sob um ângulo diferido. Enquanto lá eu discutia a sombra da censura que pairava sobre o Lollapaloza, aqui o meu ponto é outro: o como a ligação público-artista, quando reduzida apenas à dimensão do consumo do segundo pelo primeiro, esvazia a arte de mobilizar qualquer devir-revolucionário.

            O que tem ficado cada vez mais evidente para mim é que a arte não tem sido acessada como arte, mas como entretenimento – e, mais ainda, como entretenimento instagramável. Quero dizer: o objeto artístico, enquanto dínamo de afetos singulares e, por consequência, convocação de outros horizontes possíveis, perdeu espaço e valor. Em seu lugar, ergueu-se uma relação com as diversas linguagens artísticas que é capitaneada pela junção entre entretenimento e consumo.De um lado, tem-se uma fruição reduzida ao descarregamento das tensões, comprometida apenas com a pacificação (e captura) do corpo; de outro, uma lógica pela qual o público já não se vê como espectador – aquele que assiste ao artista –, ou como parte da cena, mas, sim, como um contratante – aquele que, por força do dinheiro investido, reserva-se no direito de impor as condições em que o artista deve se apresentar. Dito de outro modo: na relação contemporânea entre público e artista, já não importa o artista, apenas o desejo voraz de um público ao qual o artista precisa corresponder.

            É o exacerbamento neoliberal da sociedade capitalista que subjaz a este cenário. Já não basta reduzir cada força ativa do mundo – inclusive, a nós mesmos – à condição de mercadoria; é preciso agora atomizar de tal modo o corpo coletivo que cada componente individual seu perca o sentido e a presença do outro enquanto negatividade, isto é, como o outro de mim –a diferença radical, não redutível ao mesmo e, por isso, disparadora de abalos. Deste modo, ao invés de se produzir uma abertura para que o outro me afete enquanto outro, o que implica o tensionamento do que sou e do meu lugar no mundo, apenas o acesso, ou o quero acessar, na exata medida do que projeto como confirmação repetidora de mim. Numa fórmula: tirania do eu; morte por asfixia do outro.

            É neste sentido que falo de um esvaziamento (estratégico, sem dúvidas) da capacidade artística de mobilizar devires revolucionários. Isto porque, se efetivado um cenário em que o artista se encontre condenado a apenas repetir e satisfazer o mesmo do mesmo do público, já nenhum outro horizonte se instala ou circula como possível.Afinal, como uma vez cantou Zé Rodrix, “se o cantor ficar mudo / só vai restar o silêncio / o mais cruel dos silêncios / onde só a mentira / vai sobreviver”.

            Volto aos vídeos de Thisisnot a drill recentemente gravados por anônimos nas capitais de Portugal e Espanha. E um verso, que é ao mesmo tempo título de uma canção e também do último álbum de Roger Waters, lançado em 2017, fica repercutindo em minha cabeça: Isthisthelifewereallywant?

Nos ajude, compartilhando e curtindo o nosso conteúdo.

A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Imagem: reprodução da internet

24/03/2023 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

O que você achou? Deixe seu Comentário