POR QUE UM FRACASSO PESA MAIS DO QUE MIL SUCESSOS?
Recentemente eu falhei diante de um trabalho que aceitei realizar. Por uma série de razões, sobretudo um forte stress emocional e um até então silencioso sofrimento psíquico, cometi erros graves e não os vi. Lidei e estou lidando com as consequências, inclusive o pesado impacto financeiro decorrente de devolver o valor investido, quando eu já não o tinha disponível, e a quebra do respeito e da confiança – talvez da amizade? – de quem me indicou para o serviço. E também outra coisa, algo que fica dando dentadas no estômago e futucando o silêncio da cabeça à noite: a sensação de fracasso.
É incrível como o susto em face de um fracasso nos coloniza o corpo. Talvez porque tenhamos mesmo acreditado, por qualquer razão, sermos capazes de tudo a qualquer hora, como se fôssemos daquela estirpe de heróis que nunca falham. No entanto, nunca somos a fortaleza que imaginamos ser. Há um limite do que podemos suportar, um certo acúmulo de coisas com as quais podemos lidar. Fora isso, um milímetro para lá desta margem imprecisa, a qual só conhecemos no instante em que a cruzamos ou estamos na iminência de cruzá-la, quebramos ou chegamos à beira de quebrar.
Em outros textos e em outros lugares, eu já escrevi sobre a necessidade de construirmos uma relação mais saudável com o fracasso. Porque, ainda que não seja do nosso desejo, vez ou outra nós iremos fracassar. É de nossa natureza a capacidade de falhar, assim como também a possibilidade de ter sucesso. No entanto, é necessário reconhecer que, em uma sociedade comoesta em que vivemos, regida por um capitalismo produtivista e hiperpositivo, é cada vez mais difícil constituir modos sadios de lidar com os reveses da vida. Somos subjetivados pela necessidade de um acúmulo incessante de sucessos, os quais nunca nos definem senão em uma temporalidade cada vez mais fugidia – o gozo é inexistente. O que nos resta é a sensação ininterrupta de insuficiência: não importa o que façamos ou consigamos, a métrica está sempre um passo a frente, correndo um metro por segundo mais rápida do que nossas pernas podem acelerar. E um único fracasso tem um peso maior em nós, porque tememos a sua presença como a monstros e fantasmas, do que os sucessos que obtemos ao longo da vida.
Neste ponto, é fundamental acrescentar que vivo e escrevo essas coisas a partir de um corpo cercado por privilégios de gênero, raça e classe, ou seja, o mundo ao meu redor é infinitamente mais complacente comigo do que com mulheres, negras, negros e indígenas, pobres, etc. Meus sucessos em geral ganham mais repercussão – às vezes, inclusive, mais do que merecem – que os sucessos de outras pessoas enquanto os meus fracassos não são imediatamente vistos como um atestado de incompetência ou de incapacidade. Nesse caso, é impossível não reconhecer que, se em mim, o fracasso é fonte de adoecimento psíquico – e isso, por si só, é grave –, outras e outros carregam algo além deste peso: a produção de fracassos, enquanto uma estratégia de controle social, descortina-se como um processo de subalternização.
Em todo caso, repito: é urgente construirmos uma relação mais saudável com os nossos fracassos. Não se trata de romantizá-los, como o fazemos com nossos parcos sucessos, mas de retirar deles o peso com que desabam sobre os nossos ombros. Não sei se este é um ponto de partida ou de chegada no que se refere a uma mudança dos modos com os quais nós nos relacionamos com a vida; apenas sei que se trata de algo pelo qual devemos lutar porque, não raro, se trata mesmo de uma questão de vida ou morte.
A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!
Imagem: reprodução da internet