A VOZ DOS PALCOS
Não é novidade que a sombra da censura paira novamente sobre os artistas de nosso país. E, neste final de semana, ela se mostrou inteira e pesada, nuvem plúmbea véspera de temporal de raios e trovões.
Aceitar a justificativa de que a interdição à manifestação política nos palcos do Lollapaloza atende à lei, no que ela se refere à antecipação de campanha política, é, no mínimo, desfaçatez.
Alguém, no futuro, alegará inocência, ingenuidade. Como crianças acuadas diante do pior de seus erros. Não se poderá perdoar – não de novo, não outra vez. Pasolini já disse: “a inocência é uma culpa. Os inocentes serão condenados porque não têm o direito de sê-lo”.
O que está em curso é a tentativa de um retorno ao estado autoritário, disciplinador, que projeta a si mesmo na condição de um agente controlador da circulação discursiva.
Pensávamos que o havíamos vencido, em março de 1985. Como já o havíamos pensado em outubro de 1945.
No entanto: eis um nosso passado que não se aloca nos tempos idos. Como fantasma, de noite em noite, ele retorna.
É a nossa sina, talvez, estar sempre em alerta. Nunca supor, por um instante que seja, a morte incontornável de qualquer cala-boca.
É preciso estar atento e forte.
Há muito tempo não escutava “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil. Neste instante, ela acompanha a escrita deste texto.
Pai, afasta de mim esse cálice.
A democracia não sobrevive sem o livre exercício da manifestação política; sem o direito à crítica.
Aqueles que não a suportam, aqueles que apenas a usam no limite estreito dos próprios interesses, aqueles que a reduzem a um esquema desigual de poder – esses, os canalhas, conhecem muito bem tal fragilidade.
Se tanto fazem para controlar a arte, é porque nela reconhecem um inimigo com o qual não podem lidar. Se a querem reduzir a mero entretenimento, instrumentá-la para conter o levante dos corpos, é porque sabem, sem dúvida sabem, que ela é a nossa possibilidade de “escrever com palavras que ainda não existem”, como uma vez me disse o escritor angolano Manuel Rui.
Que não haja qualquer complacência com o ato de silenciar os palcos, as telas, os livros por onde nossas bocas também falam – e, não raro, por onde falam primeiramente.
Onde levará o sequestro da voz, se nós o deixarmos começar?
Neste fim de semana, fui Marina e PablloVittar, Emicida, Djonga e Fresno, Lulu e Marcelo D2 – como antes já havia sido Roger Waters e Caetano, Chico e tantos outros.
Proteger o nosso direito à manifestação política é resguardar em nós a potência de fazer a vida acontecer, ainda que não queiram.
Censura nunca mais.
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A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!
Foto: Reprodução/Twitter/Marcel Froning