AO MESTRE, COM CARINHO - Meu nome é Johni

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AO MESTRE, COM CARINHO

AO MESTRE, COM CARINHO

Há poucos minutos, a Folha de São Paulo enviou ao meu celular notícia referente ao falecimento do ator e cineasta Sidney Poitier. O bahamense/estadunidense é uma personalidade indelevelmente inscrita na história, não só pelos personagens a que deu vida, como também pelo fato de ter sido o primeiro homem negro a vencer um Oscar na categoria de melhor ator, feito alcançado na cerimônia de 1964 por seu papel em Liliesofthefield, traduzido no Brasil por Uma voz nas sombras – já tendo sido, cinco anos antes, o primeiro ator negro indicado à mesma categoria por The Defiantones (Acorrentados).Em 2002, foi homenageado pela Academia com um Oscar Honorário, que é uma deferência especial ao conjunto da obra de um artista, tendo sido também o primeiro artista negro a recebê-lo.

            A insistência em demarcar o ineditismo dos feitos de Poitier justifica-se como uma forma de evidenciar a raridade com que um profissional de cinema negro é reconhecido e homenageado por seu talento e trabalho. Com efeito, considerando-se toda a história de premiação do Oscar, o percentual de estatuetas conferidas, pela Academia, a pessoas negras gira em torno de míseros 2%. HattieMcDaniel foi a primeira atriz negra a ser reconhecida pelo prêmio, obtendo a estatueta de melhor atriz coadjuvante de 1940 por seu papel em Gonewiththewind (E o vento levou), lançado no ano anterior. Após ela, outras sete atrizes negras foram aclamadas como melhores atrizes coadjuvantes em seus respectivos anos – Whoopi Goldberg, Jennifer Hudson, Mo’Nique, Octavia Spencer, LupitaNyong’o, Viola Davies e Regina King. Apenas 7 entre 51 atrizes premiadas na referida categoria no intervalo entre HattieMcDaniel, em 1940, e Whoopie Goldberg, em 1991. Caso seja considerada a categoria principal, melhor atriz, os dados são ainda mais alarmantes: apenas Halle Barry, em 2002, por Monster’s Ball (A última ceia). No que se refere aos atores negros, além de Sidney Poitier, tiveram as suas atuações celebradas como as melhores de seus anos Denzel Washington, Jamie Fox e Forest Whitaker, na categoria principal, e Louis Gossett Jr, Denzel Washington, Cuba Gooding Jr, Morgan Freeman e Mahershala Ali (duas vezes) como coadjuvantes. O intervalo entre o primeiro premiado, Poitier em 1964, para o segundo, Louis Gosset Jr em 1983, foi de 19 anos. Caso se considere apenas a categoria principal, o intervalo entre a estatueta recebida por Poitier e a de Denzel Washington por Training day (Dia de treinamento), de 2001, foi de 37 anos. Em se pensandoa categoria de direção, a mais prestigiada dentre todas, nenhuma diretora negra ou nenhum diretor negro obteve a estatueta e apenas três pessoas foram indicadas em toda a história da premiação – John Singleton, Lee Daniels e Barry Jenkins.

            [admito não ser um entusiasta de números, datas e estatísticas, mas reconheço que, em certos contextos, se bem acionados, esses elementos traduzem uma concretude que, a despeito de seu peso, pode não ser percebida ou percebida como algo difuso por pessoas não suficientemente atentas. neste caso em específico, é impossível não reconhecer que há algo de muito errado nesta estrutura de consagração de artistas do cinema, que é o Oscar. não é sem motivo, portanto, que a Academia tem sido tensionada no sentido de se tornar mais democrática, reconhecendo e premiando homens e mulheres negros e negras que fazem cinema].

            À parte a incontestável relevância das informações acima, que auxiliam na impressão exata do tamanho que Sidney Poitier deve assumir na memória do cinema e dos movimentos antirracistas, quando dele me recordo, é a imagem de Mark Thackerey que o meu amor vai buscar de imediato. To sir, withlove (Ao mestre, com carinho), de 1967, não é o melhor filme da carreira de Poitier, embora tenha sido um sucesso de bilheteria. No entanto, é certo que aquele professor temporário de uma escola da periferia de Londres, junto ao Jonh Keating de Robbin Williams em Deadpoetssociety(Sociedade dos poetas mortos, 1989) marcou – tanto emotivamente quanto como um modelo – uma geração de professores.

            Lembro de ter assistido To sir, withlove em algum momento da educação básica e, depois, tê-lo revisto em uma das inúmeras apresentações do filme na Sessão da Tarde, exibida pela Rede Globo. O fato de eu tê-lo primeiro visto na escola, quando eu era ainda um estudante, lá pelos idos de 1990, revela a impressão que, àquela altura, o filme deixou em minha professora – como deixou também em mim, quando o revi, já com um outro olhar, em meio à minha formação como educador, no curso dos anos 2000. É, sobretudo, uma aposta na sala de aula, na relação professor-estudante, como um agenciamento transformador das vidas em encontro ali, naquele espaço – esta imagem tão necessária de ser reabilitada em um cenário devastador como o nosso, em que a educação se encontra cada vez mais instrumentalizada pelo capital e, consequentemente, precarizada.

            Há um vínculo afetivo poderoso entre mim e Sidney Poitier, algo que é da ordem de uma força. Hoje, no dia de sua morte, aos 94 anos, eu o revivo em minha memória e em meu corpocoração, assim como ele me revive, porque também eu, que ainda não desacreditei da educação, preciso ser constantemente lembrado da potência que ela pode ser.

            Penso que seja isso, a consagração de um artista: ser um corpo que agencia forças alegres no corpo do outro, aquelas forças que nos fazem movimentar a vida em prol de mais vida – e “mais” não significa nenhum processo acumulativo, submisso a uma gramática do capital, mas uma impulso de expansão. Seja da forma como ele furou o racismo institucional para tornar-se o primeiro ator negro a ser reconhecido como o “melhor entre os melhores do ano”, ou, numa perspectiva mais particular, o modo como ele me diz de uma perspectiva que me forma e na qual eu acredito, Sidney Poitier movimentou aberturas para a vida. E, Sidney, se você pudesse agora me ouvir, eu te diria: foi lindo, querido. Obrigado.

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A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Foto: Reprodução/imdb

08/01/2022 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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