OS 10 TRABALHOS DE OLORUM, DE CHICO VIEIRA - Meu nome é Johni

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OS 10 TRABALHOS DE OLORUM, DE CHICO VIEIRA

OS 10 TRABALHOS DE OLORUM, DE CHICO VIEIRA

A cada ano, a 25 de novembro, celebra-se o Dia Nacional da Baiana de Acarajé. Diferentemente de outras efemérides relativas às mais diversas profissões, esta cumpre um papel importante no que se refere à ativação de uma memória antirracista e afirmativa da cultura negra, cultivada e protegida sobretudo por intermédio do trabalho das mulheres. As baianas de acarajé, longe de comporem apenas mais uma possibilidade de trabalho na paisagem urbana de Salvador, são repositórios vivos de uma história de ampla inteligência política. Foi por meio delas, e da irresistível sedução olfato-gustativa dos acarajés, abarás e bolinhos que comercializam, que certos espaços de autonomia financeira feminina negra foram instaurados em um tecido citadino amplamente oposto à existência de seus corpos. Ademais, muitas casas matrizes de candomblé têm suas histórias de fundação associadas ao trabalho destas grandes matriarcas, de modo que o branco racista, aquele que instintivamente se benze amedrontado ao ouvir o bonito nome de Exu, uma vez ludibriado pelas estratégias políticas movimentadas pelas mulheres negras, foi um financiador involuntário dos terreiros onde o Axé foi plantado e potencializado. A data, portanto, apesar de pouco lembrada Brasil afora, é uma memória de resistência negra.

            Este ano, no entanto, 2021, a comemoração do Dia Nacional da Baiana de Acarajé foi entristecida pelo fato de, no dia seguinte, 26 de novembro, um painel pensado e produzido pelo artista plástico soteropolitano Chico Vieira ter sido roubado do Memorial das Baianas, no Pelourinho, em Salvador, onde estava exposto desde a sua doação. Concebido como uma homenagem à existência destas mulheres, o painel intitulado “Os dez trabalhos para Olorum” contém 10 gravuras que as representam em seu ofício e indumentária típica, funcionando como recepção aos que chegam ao Memorial, turistas ou não, e também como celebração da potência de existir das baianas de acarajé. Além disso, o painel também possibilita uma fonte de renda para as baianas e para o Memorial, uma vez que as gravuras são comercializadas em formato de marcador de página, os quais podem ser adquiridos por aqueles que são dotados de sensibilidade artística e que manifestem o interesse de levar consigo uma parte simbólica da história de resistência negra na Bahia.

            Apesar de o Memorial das Baianas se encontrar atualmente sob um projeto de reforma mantido pela prefeitura de Salvador, o que sugere alguma atenção do poder público municipal àquele espaço, a verdade é que o espaço viveu anos em regime de abandono desde a sua inauguração, tendo sido levado a um processo de degradação física que mancha a beleza da história ali preservada. O recente roubo do painel evidencia este descuido com o patrimônio mantido pelo espaço, o que pode estar relacionado, sim, à permanência de um traço racista no trato da cidade com a memória negra ali presentificada. Aliás, esta é uma questão levantada pelo próprio artista em seu instagram. Ao repostar uma publicação do dia 27 de novembro da Associação Nacional das Baianas de Acarajé e Mingau (ABAM), que denuncia o descaso com a segurança e proteção do espaço, Chico Vieira, por meio de seu perfil @chicoviera81, comentou: “Vandalismo ou Racismo?!!”.

            Tão grave quanto o roubo em si, é o descaso em relação ao problema. Ao procurar por informações para compor esse texto, devo admitir não ter encontrado nenhuma repercussão nos principais jornais baianos ­– ao menos em suas versões virtuais. Ao que parece, há um certo silêncio sobre o desaparecimento da peça, o que pode ser conotativo de desinteresse acerca do ocorrido. Apenas postagens em redes sociais da ABAM e do artista denunciam o fato e possibilitam informações.

            É importante destacar que o impacto da ausência da peça não se traduz somente na questão financeira, repercutindo em uma importante fonte de renda para a ABAM. Ela representa também um certo descompasso da cidade com a sua história e com os seus artistas. É preciso que Salvador finalmente aprenda que não basta um discurso lapidado pelo marketing político, mais do que isso, é necessário um alinhamento com a prática. De nada adianta um discurso de valorização da história das baianas e de artistas locais se, noutro plano, observam-se descuidos sistemáticos que operam em sentido inverso às palavras ditas.

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A LUTA CONTINUA. JOHNI VIVE!

Imagem: Chico Vieira

23/12/2021 | Autor: Comunidade Johni Raoni 

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